‘Sereias’ e mais: o intrigante apelo das seitas e cultos secretos na TV 20716
Recém-lançada na Netflix, a minissérie une humor e mística em torno de milionários para expor com acidez um fenômeno insidioso 603s2s

Exausta de encarar sozinha os cuidados com o pai idoso, Devon DeWitt (Meghann Fahy) vai atrás da irmã em uma ilha misteriosa onde ela trabalha para um casal de ricaços de uma instituição de proteção animal. Ao chegar ao local, encontra a caçula Simone (Milly Alcock) transformada: suas tatuagens foram apagadas e as roupas, meticulosamente calculadas para fazerem-na parecer uma boneca pronta para atender aos pedidos da chefe Michaela (Julianne Moore), que exerce influência quase sobrenatural sobre as pessoas que a cercam. Expulsa do local por ameaçar a perfeição inabalável daquele ambiente, Devon acaba presa, e descobre por meio de uma colega de cela a existência de rumores que circulam entre a população local e acusam Michaela de ter matado a primeira esposa do marido — e de liderar uma forma de culto frequentado pela alta sociedade.
Recém-lançada na Netflix, a minissérie Sereias narra uma história cujo apelo central não é a obsessão religiosa tradicional quando o assunto são seitas misteriosas, mas os segredos que cercam a vida exclusivíssima dos super-ricos — e dão asas à imaginação daqueles que não têm o a um mundo no qual só os escolhidos conseguem penetrar. Ainda assim, a produção é um estudo ácido e revelador sobre os fatores (inclusive irracionais) que embalam as mais diversas formas de culto e se mostram irresistíveis para tantas pessoas ao redor do globo.

Nos últimos anos, o streaming — e a Netflix, em especial — se tornou campo prolífico para o tema. Fora da ficção, o universo das seitas fez sucesso em documentários que buscaram dissecar o fenômeno por trás de grupos que se submetem às situações mais perturbadoras em nome de um líder ou de uma crença: é o caso de Wild Wild Country, que narra a ascensão do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho (1931-1990), que nos anos 1980 ganhou força nos Estados Unidos com uma doutrina que mesclava religiões orientais e liberdade sexual. Outros exemplos incluem The Vow, da HBO, e as mais recentes Antares de la Luz: uma Seita Apocalíptica e Como Se Tornar um Líder de Seita, todas dissecando histórias que abalaram o mundo ao escancarar a influência de líderes manipuladores. Para além dos documentários, há casos reais que foram ficcionalizados, como as séries Waco e Antracite — que dramatizam, respectivamente, a “religião” batizada de Ramo Davidiano e o massacre da Ordem do Templo Solar na França, em 1995.
Totalmente fictícia, e com toques de humor sombrio, Sereias usa elementos típicos dos cultos para atrair a atenção do público: além da ilha isolada, os funcionários precisam acordos de confidencialidade sobre o que acontece no local, há festas exclusivas, cerimônias especiais e códigos de vestimenta e comportamento estritos, além de uma idolatria quase doentia pela guru vivida por Julianne Moore. Com um toque de ironia e outro tanto de crítica social, a produção satiriza a obsessão humana por cultos misteriosos: fora dali, ninguém sabe o que de fato acontece na ilha, nem os traumas que levaram as personagens a assumir o papel que ocupam naquele ambiente. As verdades secretas dos cultos podem ser perigosas — mas são uma delícia de maratonar na TV.
Publicado em VEJA de 23 de maio de 2025, edição nº 2945