A campeã tropeça: o que há por trás do terremoto na Nike
A líder global de roupas e calçados esportivos tenta sair de uma crise de identidade que afetou seu pendor para a inovação

Em 1988, o americano Elliott Hill realizou o sonho de muitos jovens daquela época: conseguiu um estágio em uma empresa que estava revolucionando o marketing esportivo e a moda de rua ao lançar um tênis com design inovador em parceria com uma promessa do basquete profissional. A marca era a Nike. O atleta se chamava Michael Jordan. O tênis que levava sua , o Air Jordan 1, chegou a ter uma de suas versões banida das quadras por não ser majoritariamente branco, conforme ditavam as regras da NBA, a liga do basquete. O modelo ou a ser exibido nos anúncios coberto por uma tarja preta e ganhou o apelido de Banned (em português, “Proibido”).
Desde então, o vínculo com os ídolos dos esportes, o talento para a inovação e a ousadia na publicidade formaram a receita de sucesso da Nike, que superou (ou comprou) as concorrentes até alcançar a liderança global, com folga, entre as marcas de roupas e calçados esportivos. Hill cresceu na empresa e tornou-se um de seus mais altos executivos, até pendurar as chuteiras Nike em 2020. Em outubro do ano ado, aos 60 anos, foi chamado de volta da aposentadoria para assumir o cargo de presidente e tentar salvar a empresa de uma crise de identidade — que se reflete em queda nas vendas e nos lucros.
O último ano e meio foi desfavorável para a Nike. Trimestre após trimestre, a empresa publicou resultados desanimadores (veja o gráfico). Suas ações desabaram na bolsa. Nas últimas semanas, seu valor de mercado caiu para menos de 100 bilhões de dólares pela primeira vez desde o início da pandemia de covid-19. Modelos clássicos como o Air Force 1, o Dunk e o próprio Air Jordan 1 encalharam, enquanto as releituras retrôs da concorrente Adidas, como o Samba, tiveram bom desempenho de vendas nos últimos dois anos e marcas emergentes, como a Hoka e a On, ganharam espaço apostando em visuais novos e conforto do usuário.
O primeiro erro da Nike foi ter esnobado sua relação preferencial com redes de lojas americanas para priorizar a venda on-line, abrindo espaço nas prateleiras para New Balance, Asics, entre outras rivais. O segundo o em falso foi na inovação. “Durante a pandemia, a Nike praticamente paralisou o seu motor de criação de produtos. Outras marcas, que apresentaram novidades, agora estão avançando sobre a fatia de mercado da líder”, diz Matt Powell, especialista em varejo esportivo da consultoria americana BCE.

A marca nunca deixou de vestir e patrocinar grandes atletas e equipes, mas sua imagem de conexão com o esporte de alta performance perdeu força. Hill, o novo presidente da Nike, reconhece e quer corrigir isso. Uma de suas primeiras medidas foi desfazer uma mudança imposta por seu antecessor, John Donahoe, que criou divisões de artigos para homens, mulheres e crianças no lugar das tradicionais áreas voltadas para desenvolver produtos e estratégias de marketing para esportes específicos. Ou seja, a Nike havia se tornado um marca mais de moda do que de esporte, a ponto de apostar em uma parceria com a joalheria Tiffany & Co. para entrar no mercado de luxo. As campanhas publicitárias também haviam perdido a ousadia e o impacto característicos da marca nos bons tempos.
A correção de rumo já começou. Neste ano, pela primeira vez desde 1998, a Nike investiu em um comercial no Super Bowl, a final da NFL, a liga de futebol americano. A mensagem central da peça era voltada para as mulheres e tinha amplo significado: “Você não pode vencer. Então vença”. Em fevereiro, a Nike anunciou uma parceria com a Skims, marca da influenciadora Kim Kardashian, para lançar em conjunto tênis, roupas e órios para ioga e corrida, entre outras atividades físicas. Sob nova direção, a Nike está se mexendo para não ceder mais terreno aos concorrentes. “Simplesmente faça”, diriam consumidores e acionistas, repetindo o conhecido slogan: Just do it.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938