Brasil tenta recuperar florestas destruídas e transformá-las em ativo para a economia verde
Após décadas de desmatamento desenfreado, país tenta virar o jogo com investimentos públicos e privados para restaurar 12 milhões de hectares de florestas

Altamira, Pará, 9 de outubro de 1970. Em uma placa fincada no tronco de uma castanheira, lia-se o seguinte: “Nestas margens do Xingu, o senhor presidente da República dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a colonização deste gigantesco mundo verde”. Criada durante o governo do general Emílio Médici, a rodovia que liga o Amazonas à Paraíba foi um ponto de inflexão para a saúde da Floresta Amazônica, já que o o facilitado à região multiplicou os focos de desmatamento. Estima-se que, desde então, cerca de 20% da floresta tenha desaparecido, segundo estudo da ONG WWF. Hoje, a perda de vegetação nativa, especialmente na Amazônia, é a maior barreira para o Brasil avançar rumo a uma economia de baixo carbono — já que, ao serem derrubadas, as árvores liberam todo o dióxido de carbono acumulado ao longo de anos de fotossíntese. Em 2023, a degradação da Amazônia foi responsável por 30% das emissões de gases de efeito estufa no país. Considerando outros biomas, como o Cerrado e a Mata Atlântica, o desmatamento respondeu por 46% das emissões nacionais. Para corrigir o problema, o Brasil tenta não apenas conter a devastação, mas remediar parte do estrago.

Em abril, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou um investimento de 150 milhões de reais para restaurar 137 terras indígenas localizadas no “Arco do Desmatamento” — faixa crítica que se estende do leste do Maranhão ao Acre. O projeto vai selecionar iniciativas locais de reflorestamento e será financiado com recursos do Fundo Amazônia, abastecido por doações internacionais. A iniciativa se soma a outras anunciadas recentemente pelo governo federal para acelerar o ritmo da recuperação. Também em abril, a Caixa Econômica Federal, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, anunciou a liberação de 50 milhões de reais em crédito para recuperar áreas degradadas, com foco em famílias que vivem da produção agrícola sustentável. A ideia é garantir que o país mostre resultados concretos durante a 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, marcada para novembro em Belém.
A promessa brasileira é restaurar 12 milhões de hectares até 2030, de acordo com o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, atualizado em 2024. Se cumprida, a meta deve resultar no sequestro de ao menos 1,2 gigatonelada de carbono da atmosfera em vinte anos — o equivalente a tirar das ruas 13 milhões de carros a combustão nesse período. Trata-se de um compromisso assumido pelo Brasil em 2015, no Acordo de Paris, mas que nunca saiu do papel. Para não repetir o fracasso da versão anterior, o plano agora aposta na criação de mecanismos capazes de atrair empresas e o mercado financeiro. “É preciso utilizar os recursos estatais, mas também mobilizar o poder do setor privado”, diz a economista indiana Subhra Bhattacharjee, diretora-geral do FSC, sigla em inglês do Conselho de Manejo Florestal, organização que desenvolve padrões de gestão sustentável das florestas. “Precisamos tornar as florestas economicamente viáveis para que haja incentivo em mantê-las em pé.”
Essa é uma condição vital para viabilizar projetos de reflorestamento, cujos custos são elevados. Para cumprir sua meta de restauração, o Brasil precisará investir, ao longo de uma década, entre 700 milhões e 1,2 bilhão de dólares anualmente, segundo estimativa da ONG The Nature Conservancy. O custo varia conforme o bioma: na Amazônia, a média é de 2 000 dólares por hectare; na Mata Atlântica, 2 100 dólares; no Cerrado, 3 000 dólares.
O método de restauração adotado também influencia no valor final. A técnica menos custosa é a da regeneração natural, que consiste em isolar a área degradada para que as próprias flora e fauna reativem o ecossistema. Mas, além de lenta, ela nem sempre é a maneira mais eficaz. Pesquisas recentes indicam que, por efeito das mudanças climáticas, árvores de grande porte em florestas tropicais vêm perdendo espaço para espécies menores, mais adaptáveis a eventos extremos. Isso reduz a capacidade de captura de carbono da floresta, já que são as árvores grandes que mais estocam dióxido de carbono em seus troncos. Além disso, a perda de biodiversidade enfraquece os ecossistemas, dificultando o reflorestamento espontâneo. Diante desse cenário, uma alternativa é a regeneração natural assistida — técnica que exige intervenção humana para remover espécies exóticas, impedir a entrada de gado e controlar incêndios, entre outros manejos.

Outra saída é o plantio em área total, uma técnica que praticamente reconstrói a floresta do zero, com o uso de sementes e mudas de espécies nativas. Indicada para regiões sem potencial de regeneração natural, é a forma mais cara e complexa de restauração, por exigir etapas como preparo do solo, plantio de mudas e acompanhamento técnico ao longo de anos. “Esse tipo de restauração é caro porque reconstrói as condições mínimas para que o ambiente recupere funções próximas às de uma floresta primária”, diz Thiago Picolo, da companhia de reflorestamento re.green, cuja meta é restaurar 1 milhão de hectares na Amazônia e na Mata Atlântica. “Não apenas reconstruímos a floresta fisicamente, mas restauramos o ecossistema como um todo — recursos hídricos, fauna, fixação do solo.” Em 2025, a empresa fechou um novo acordo com a Microsoft para restaurar 17 500 hectares distribuídos em cinco estados brasileiros. O negócio se soma a outro firmado com a big tech americana em 2024, de reflorestamento de 16 000 hectares. Ao todo, a parceria renderá à Microsoft 6,5 milhões de créditos de remoção de carbono — cada certificado garante que 1 tonelada de dióxido de carbono foi removida da atmosfera devido à ação do projeto ambiental.
Trata-se de um exemplo ainda raro de modelo de negócio bem-sucedido num setor que engatinha no país. Em março, a B3 sediou o primeiro leilão de concessão privada de florestas desmatadas no Brasil. Organizado pelo governo do Pará, o contrato de quarenta anos prevê a restauração de 10 000 hectares na Unidade de Recuperação Triunfo do Xingu, em Altamira. Com investimento previsto de 258 milhões de reais, o projeto promete gerar 869 milhões em receita com a venda de 350 000 créditos de carbono. O leilão, no entanto, teve baixa adesão: apenas a empresa Systemica, que tem o BTG como sócio, apresentou proposta, vencendo sem disputa.

Além do custo elevado, a principal barreira é a falta de sistemas consolidados de geração de receita após a restauração. Ou seja, ainda não está claro como as empresas vão monetizar as áreas quando a floresta já estiver recuperada. Alguns modelos possíveis são turismo ambiental, programas públicos de pagamento por preservação e venda de créditos de carbono. “Mas esses sistemas não são tão desenvolvidos quanto o modelo de exploração extrativista, que já tem fontes de receita bem estabelecidas”, diz Talita Pinto, Coordenadora do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas.
Por isso, a implementação de um mercado regulado de carbono no Brasil pode ser um divisor de águas para o ramo. Sancionado no fim de 2024, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa exigirá que empresas de determinados setores compensem suas emissões quando ultraarem os limites preestabelecidos. O novo mecanismo deve impulsionar a demanda por projetos de redução de emissões e oferecer mais segurança jurídica para que as empresas cumpram suas metas ambientais. Diante desse impulso, o país tem espaço de sobra para ampliar a restauração dos biomas — um estudo da Embrapa estima que haja mais de 106 milhões de hectares de pastagens degradadas no Brasil, correspondentes a cerca de 60% da área total de pasto. Recuperá-las não é apenas uma saída promissora, mas uma necessidade. Como canta Gilberto Gil: “Manter em pé o que resta não basta, o jeito é compreender que já basta e replantar a floresta”.
Publicado em VEJA, abril de 2025, edição VEJA Negócios nº 13