Namorados: Assine Digital Completo por 1,99

“A única certeza era a esperança” 1ts4p

O neurocirurgião Gabriel Mufarrej, 61, conta como conseguiu separar gêmeos unidos de forma rara pelo crânio 1b4ag

Por Ricardo Ferraz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h15 - Publicado em 10 set 2022, 08h00
Gabriel Mufarrej -
Gabriel Mufarrej – (Mauricio Bazilio/.)

Em abril de 2019, fui chamado pelo Hospital do Cérebro, uma unidade pública de referência no Rio onde trabalho, para acompanhar um raríssimo caso de gêmeos unidos pelo crânio. Arthur e Bernardo eram ligados pelo topo da cabeça, sendo que um olhava para baixo e o outro, para cima, e viviam deitados. O quadro se tornava ainda mais complexo porque eles compartilhavam 15% do cérebro e ainda uma veia que conduzia o sangue da cabeça até seus corações. Quando conheci os pais, vindos de Roraima, estavam em intenso sofrimento, com medo de perder as crianças, àquela altura com 8 meses. Logo entendi que o caso era o maior desafio de minha trajetória profissional de quase quatro décadas e saí de lá com a convicção de que faria tudo o que estivesse ao meu alcance para ajudar a família.

Tomar a decisão de realizar uma cirurgia para separá-los não foi simples. Um dos maiores especialistas do mundo nesse tipo de procedimento, que envolve crânios fixados um no outro, veio ao Brasil avaliar a situação e desaconselhou a operação, dada sua delicadeza e o risco. A notícia devastou os pais, que, dilacerados, precisaram de acompanhamento psicológico. Pois mesmo tendo escutado atentamente as palavras de meu colega, não me convenci. Com anuência dos pais, segui adiante com o plano de submeter os gêmeos à cirurgia. Adriele, a mãe, um dia soltou uma frase que me marcou. Não queria que os filhos continuassem naquele calvário. “Até a morte para mim é uma solução, só não posso conviver com o sofrimento deles”, disse. Ouvi-la assim só aumentou minha obstinação. E ei noites em claro estudando o caso.

Recorri à ciência e a todos os recursos do hospital. Por meio de convênios com universidades, obtive modelos anatômicos do cérebro dos garotos em 3D, para determinar o local exato da veia que eles compartilhavam. Também fizemos versões digitais que me permitiram discutir o assunto com o britânico Owase Jeelani, outro grande expert, que ou a me auxiliar. Teriam de ser feitas várias operações. A primeira delas foi tomada pelo medo. O procedimento tinha o objetivo de dissecar vasos sanguíneos que alimentavam a veia dividida pelos gêmeos, como se estancasse os afluentes de um rio. Trilhando o protocolo, decidimos intervir pelo lado do Arthur, o mais frágil e com menos chances de sobreviver. São decisões médicas complexas e doloridas. Após cinco cirurgias, o cérebro dele foi capaz de encontrar novos caminhos para levar o sangue ao coração. Notei, no entanto, que se o operasse mais uma vez ele não aguentaria. Tomei então uma decisão nunca antes tentada na medicina: fazer as cirurgias seguintes no Bernardo, o gêmeo mais forte. Isso colocava a vida dos dois em risco. Felizmente, a escolha se mostrou acertada.

Os irmãos, enfim, estavam prontos para ser separados. Pairava um clima de otimismo e aí foi necessário trazer a família e minha própria equipe à realidade: o mais difícil estava por vir. A operação mobilizou quase 100 profissionais e ocupou todas as salas do centro cirúrgico. Ainda que com tanto planejamento, fomos surpreendidos com a ruptura de uma parte da veia, o que causou um enorme sangramento. Agimos rápido e estabilizamos o quadro. Na hora da separação, mais dificuldades: os vasos estavam muito profundos, e Arthur parecia que não iria resistir. Com técnica e fé, vencemos o obstáculo com o auxílio de um ultrapotente microscópio. Ver as duas macas se afastando e os irmãos separados foi um momento de pura emoção. Hoje com 4 anos, eles se recuperam bem. Algumas sequelas permanecerão para o resto da vida e é difícil saber quais habilidades eles vão desenvolver. O progresso, porém, impressiona. Os irmãos já dançam em seus carrinhos, estão aprendendo a se comunicar e um deles, o Arthur, fica até de pé. Eles me ensinaram de forma tocante que a única certeza que podemos ter é a esperança.

Continua após a publicidade

Gabriel Mufarrej em depoimento dado a Ricardo Ferraz

Publicado em VEJA de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806

Publicidade

Matéria exclusiva para s. Faça seu

Este usuário não possui direito de o neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu

OFERTA RELÂMPAGO

Digital Completo 472h4x

o ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 1,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo 6q174o

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai a partir de R$ 7,48)
A partir de 29,90/mês

*o ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$ 1,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.