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O que está por trás da rejeição no Japão a um game ambientado no período feudal 2j3f4j

Trata-se de um recente capítulo de uma preocupação legítima de nosso tempo: o cuidado com os estereótipos 2764

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 18 mar 2025, 12h37 - Publicado em 8 mar 2025, 08h00

É fato histórico reconhecido. Yasuke foi um jovem negro que serviu ao senhor feudal japonês Oda Nobunaga no século XVI. Acredita-se que tenha nascido em Moçambique, embora algumas teorias sugiram outras origens na África. Ele chegou ao Japão em 1579, a serviço do jesuíta italiano Alessandro Valignano, que liderava missões nas Índias. Impressionado com a altura, a força e a aparência do guarda-costas de Valignano, Nobunaga o incorporou a seu séquito e, com o ar do tempo, ou a considerá-lo um guerreiro valioso e confiável. Teria sido o primeiro samurai de origem estrangeira, embora essa condição ainda produza imensa discussão acadêmica. Polêmicas à parte, a força da história é tamanha que o personagem virou inspiração para livros, filmes, séries e videogames.

Em Assassin’s Creed: Shadows, 14º título da popular franquia de ação e aventura da sa Ubisoft, Yasuke assume o papel de uma das duas figuras que o jogador pode manipular — seu estilo é de combate direto, de força bruta e habilidades com a espada. A outra é a pequena Naoe, uma shinobi habilidosa, pequena ninja mestre da furtividade, que se destaca por sua agilidade e assassinatos silenciosos. A empresa tinha grandes expectativas em torno do jogo, mas a forte rejeição dos japoneses surpreendeu. A controvérsia levou a atrasos na data de entrega — inicialmente prevista para novembro de 2024 e adiada para março deste ano. Deu-se a confusão, que não para de crescer, em decorrência de um choque de cultura.

Em junho do ano ado, durante o Forward, convenção da Ubisoft em Los Angeles, o debate estava quente antes mesmo da apresentação do primeiro vídeo com cenas de jogo de Shadows. O problema: a representação de Yasuke como um assassino habilidoso e uma figura central na narrativa havia sido considerada historicamente imprecisa e desrespeitosa à cultura japonesa. Os críticos argumentaram que os desenvolvedores tomaram liberdades em demasia, priorizando vieses contemporâneos em detrimento da autenticidade. “Reconheço haver uma discussão em torno do personagem”, disse a VEJA o produtor Karl Onneé, à frente do projeto por quatro anos. “Mas tivemos o cuidado de trabalhar com historiadores, que nos ajudaram a construir a relação do personagem com o senhor feudal.”

DUPLA DINÂMICA - Yasuke e Naoe: os dois protagonistas de Assassin’s Creed: Shadows
PESQUISA - Ilustração do século XVII: o suposto “samurai negro” (à esq.) (steeve-x-art/Alamy/Fotoarena/.)

O zelo parece ter sido insuficiente. As acusações de deturpação cultural e desrespeito aos fatos sobejamente estudados viraram guerra. As cenas de Yasuke destruindo um santuário e as imprecisões na representação dos samurais viraram chumbo grosso. Além disso, o uso de elementos sem a devida autorização, como a bandeira de um grupo milenar e o design da espada katana, elevou ainda mais o tom da discórdia. Houve até quem, à margem das evidências, tenha acusado a construção do Yasuke negro como uma suposta “postura woke”. Até Elon Musk meteu a colher no caso, em uma postagem no X: “DEI mata a arte”. DEI é a sigla para “diversidade, equidade e inclusão”.

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A Ubisoft ainda tentou aplacar a ira dos japoneses com uma declaração pública, em nota oficial em torno do cuidado na produção, mas não adiantou. “Nossa intenção nunca foi apresentar nenhum dos nossos jogos Assassin’s Creed, incluindo Shadows, como representações factuais da história ou de personagens históricos”, anotou o texto. “Em vez disso, pretendemos despertar a curiosidade e encorajar os jogadores a explorar e aprender mais sobre os cenários nos quais nos inspiramos.” No Japão, em recuo necessário, Shadows será lançado em versão mais amena, que não permite cenas de mutilação.

A briga — essa que agora despontou em um game, ponta de lança do entretenimento global — é um fato de nosso tempo, tem se espalhado em batalhas retóricas fundamentais, porque o respeito às origens é compulsório. Não dá mais para brincar de estereótipos, atalho para a xenofobia. Aliás, a própria série Assassin’s Creed viveu outros sustos. Em 2014, o capítulo Unity, ambientado durante a Revolução sa, foi severamente cutucado por líderes da esquerda sa, incomodados com o perfil sanguinolento de gente do povo. Em 2017, Assassin’s Creed Origins foi vaiado pelo desenho impreciso da Batalha de Actium, na Grécia Antiga, o que resultou em uma atualização que permitia aos jogadores se alternarem entre duas versões do confronto. Tudo somado, é o caso de dizer que não dá mais para brincar, a pesquisa séria é fundamental, e adeus aos lugares comuns. Convém lembrar, por exemplo, que o Brasil não é apenas o “país do Carnaval”, apesar da folia dos últimos dias.

Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934

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